quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Texto sobre a exposição "A Construção de Uma Memória".

ENTRE O SALITRE E O BARROCO

Com quantos séculos se constrói uma memória? Uma memória se constrói com uma história que vai sendo construída através do tempo e com a preservação do seu patrimônio material e imaterial. Este processo se estabelece pelo profundo respeito entre o indivíduo, a sua identidade e a relação que se tem com o seu espaço urbano e memorial. Ou isso, ou nada. Então o que seria futuro desaparece no esquecimento, numa das manifestações mais dolorosas que a humanidade é capaz de produzir: perdendo sua história, perdemos nosso rosto e a nossa alma.

As cidades brasileiras são caóticas em relação à sua memória e à preservação dos seus monumentos públicos. Mas não é apenas do ponto de vista material que sofremos diante do nosso processo de desmemorização: mesmo diante de grandes esforços, lacunas relacionadas ao nosso passado é uma realidade cotidiana. A exposição A Construção de uma Memória (Ou como se faz um louco) propõe uma reflexão pontual sobre a atual situação dos monumentos históricos em Salvador. A série de imagens do fotógrafo Sérgio Benutti tem como ponto de partida a restauração da segunda etapa da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, fundada em 1549, quando Tomé de Souza aportou na cidade. Benutti documentou todo o processo de restauro, não apenas do espaço físico: acompanhou as etapas e os processos de trabalhos de um acervo riquíssimo, onde estão cerca de 1.800 obras entre pinturas, entalhes, mobiliário, azulejaria, imaginário, alfaias e documentos raros.

A partir deste núcleo a exposição encontra outros monumentos históricos da cidade em seus estados atuais de conservação ou nos seus processos de recuperação. O fotógrafo trabalha com esta documentação desde 1996. Ao lado dessas três possibilidades - a que se ergue, a que se deixa destruir e a que se tenta erguer novamente – aparece a figura humana como o resultado efêmero do que nada somos quando perdemos o preciosismo de todos os componentes que formam a nossa consciência psicológica e afetiva: sem a idéia de sabermos as nossas origens, empalidecemos em nosso caminho e então teremos todos os canais abertos para atingir a loucura. A idéia ao pensarmos A Construção de Uma Memória (Ou de Como se Faz um Louco) é, também, a de que a mostra dialogue com as imagens de Abundante Cidade – Dessemelhante Bahia, feitas também em Salvador, pelo fotógrafo Voltaire Fraga, a partir de 1928. Assim, caminhando a partir do século XVI até o século XX tentaremos, por meio da fotografia e de um olhar atento, entender porque somos capazes de nos abandonar com tanta freqüência.
Diógenes Moura

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